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Iniciativa 4e #23 – A Masmorra Quintessencial

E finalmente estamos de volta com mais uma Iniciativa 4E! Essa semana, iremos falar de algo que é 50% parte integral do D&D: as masmorras, ou, no original, as famigeradas Dungeons! Se você jogou D&D e nunca entrou numa dessas, cheia de monstros, corredores e salas, me desculpe, mas não jogou o D&D de verdade.

E por que as masmorras são tão importantes no contexto do Dungeons & Dragons? Porque elas são um local coeso, finito e fácil de lidar. Os encontros estão mais ou menos delimitados, você sabe onde começa e onde termina. Claro, pode ser bastante maçante se você nunca sair da Dungeon (quem jogou essa, como eu, sabe como é). Mas masmorras curtas, divertidas, e com encontros relevantes fazem do D&D seu passatempo favorito! Eu tentei usar somente material já publicado em Português, com adaptações.

Por isso, quero propor o que considero a Masmorra Quintessencial, que é fortemente influenciada pelo suplemento Dungeon Delve, da WotC. Ou seja, um template de dungeon que seja curta o suficiente para caber numa sessão de jogo de 3 horas, e que seja um check list para você verificar se essa dungeon não vai ser só um labirinto cheio de salas com ratos atrozes infernais.

A entrada

Você já pode começar sua sessão com a primeira dificuldade: como entrar na dungeon? Muitas vezes o pessoal simplesmente entra numa caverna ou tumba sem problemas (no máximo com um teste de Força ou Atletismo), mas você pode aproveitar para já colocar um desafio para os personagens. As alternativas são várias: você pode colocar uma charada ou quebra-cabeças, uma armadilha, ou simplesmente uma porta com algum tipo de dificuldade.

A descrição do portal de sua masmorra pode dizer muito sobre ela. Se ela é uma caverna natural cheia de morcegos, se tem colunas gregas clássicas, ou mesmo se possui globos mágicos de luz. Aproveite para descrever se ela parece ser muito utilizada ou não tem rastros já faz um bom tempo, por exemplo.

Exemplo: Ao chegar nas ruínas de Kal-Athar, vocês percebem que atrás de uma coluna caída existe uma entrada para o subterrâneo. Do lado da entrada, marcas de acampamento recentes, e várias pegadas de criaturas pequenas, e humanóides. A entrada é escura, úmida e fedorenta. Para vocês passarem, precisarão de aumentar a entrada para passarem. Podem fazer isso com um teste de Atletismo.

O primeiro combate

O primeiro combate deve ser rápido, e resumir sua masmorra. Recomendo um encontro combativo de nível igual ao nível do grupo, sem grandes novidades. Esse encontro serve para apresentar as criaturas e estilo de perigo que espera os aventureiros. Vai ser nesse combate que os personagem terão suas primeiras dificuldades com os poderes dos inimigos. Se for uma dungeon de Kobolds, por exemplo, eles vão sacar que eles podem ajustar facilmente, por exemplo. Se for de Bullywugs, que gastar pulsos de cura pode ser difícil perto deles, e por aí vai. Esse é um combate onde você pode colocar lacaios à vontade: eles morrem rápido, explicam o conceito de suas raças, e com sorte podem causar algum estrago.

Então não se preocupe se o primeiro combate não fizer seus jogadores suarem tanto. A idéia aqui é ser rápido, quase uma apresentação. Se for agilizar o encontro, os inimigos podem fugir, se render, ou mesmo cair em armadilhas inesperadas (e improvisadas).

Exemplo: Explorando as cavernas, vocês encontram a origem do fedor que os acompanhou até aqui. Uma sala infestada de morcegos, com o chão cheio de guano. Corpos de algumas criaturas estão no canto, como se tivessem sido drenadas e secas. Andar no meio do guano é difícil (mostra o terreno acidentado no mapa), e a sala está toda escura. Quando vocês se aproximaram com a luz, vocês assustam os inúmeros morcegos do teto da sala! Rolem iniciativa!

Encontro de Nível 5 (1.000 XP)

  • 2 Morcegos de Fogo [Fire Bat] – Guerrilheiro de Nível 5 (200 XP cada)
  • 12 Morcegos Vampiros – Lacaios de Nível 5 – use a ficha das Crias Vampírica Despedaçadora de Carne [Vampire Spawn Fleshripper], trocando o movimento normal por voo. (50 XP cada)

Dificuldades

Depois do combate inicial, a galera já vai estar empolgada para ver o que essa masmorra guarda. E é aqui que as coisas ficam difíceis. Como disse muito bem o Marcelo Dior nos episódios um e dois do Vozes da Terceira Terra sobre Marmorras, uma boa Dungeon é difícil. E é agora que a coisa começa a complicar.

Eu gosto de inserir um desafio de perícias aqui, dependendo do seu grupo. Pode ser um desafio mais físico, como saltar sobre um fosso ou escapar de um deslizamento de pedras, ou mais mental, como descobrir o caminho certo até o covil inimigo ou pesquisar mais sobre as estranhas runas impressas na parede. O mais importante aqui é não deixar a peteca cair: mantenha todo mundo envolvido, e reforce o tema da sua masmorra.

Exemplo: Depois de vencerem os morcegos e ainda se limpando, vocês chegam até uma ravina profunda, onde nem conseguem ver o fundo. Ela é larga, mas saltar de um lado para o outro vai ser difícil, por conta das estalactites. Além disso, uma fissura no teto criou uma constante lufada de vento, que irá complicar o movimento de vocês. Existe umas barras de metal presas na parede, como se alguém quisesse ter criado uma passagem, mas elas estão velhas e enferrujadas. O que vão fazer?

Esse encontro pode ser um desafio de perícias, usando Atletismo, Acrobacia, Exploração, Percepção e Intuição como perícias primárias.

O twist

Depois da complicação, temos o twist. O que a gente sabia até agora não era toda a verdade. Os kobolds são dominados por Draconatos seguidores de Tiamat, os goblins foram escravizados e querem se rebelar. O tesouro já foi pilhado a muitos anos, mas o último ladrão de tumbas que chegou aqui virou um morto-vivo. Seja lá o que você inventar, você adiciona um elemento novo na sua masmorra, sem mudá-la completamente. Utilize o mesmo tema, mas com alguma coisa que deixe o próximo encontro mais amedrontador, mais heróico e mais empolgante.

Eu recomendo que esse encontro seja do nível dos personagens mais um. Tipicamente, eu não usaria tanto lacaios como no primeiro encontro, e acho que aqui é um bom lugar para um monstro solo. Como em geral, na 4ª edição, os encontros com solos não são tão difíceis assim, prefiro usá-los em encontros intermediários que os finais. Mas um par de criaturas de elite com armadilhas também funcionam bem.

Exemplo: Do outro lado da ravina, depois de alguns momentos de exploração, vocês escutam o arfar de uma criatura respirando. No meio de uma caverna maior, uma abominação: um morcego humanóide, com presas imensas e espinhos nas asas. Vocês percebem (se passarem num teste passivo de Percepção) que as estalactites dessa sala são frágeis, e certamente irão desabar com o combate. Além disso, o ninho da criatura tem um cheiro tão forte que qualquer um perto dele terá uma penalidade de -2 nas jogadas de ataque. Iniciativa!

Encontro de Nível 6 (1.200 XP)

  • Morcego Abominação – Controlador Solo de Nível 5 – use a ficha do Dragão Verde Jovem (1.000 XP)
  • Estalactites Frágeis – Obstáculo de Nível 5 – use as estatísticas das Lâminas Rodopiantes do Guia do Mestre, mas sem o efeito em explosão, e sem a possibilidade de desarmar (200 XP)

O encontro final

Agora os jogadores começam a se cansar, então você precisa trazê-los de volta com alguma motivação forte: eles podem ouvir o refém gritar, achar algumas moedas do tesouro perdido, pegadas da criatura que estão caçando, ou indícios da cidade perdida. Mostre que o final está se aproximando, e que está na hora do tudo ou nada, mas próximo da recompensa.

O encontro final precisa de algo único. O que costuma funcionar bem é algum tipo de limitação de tempo. Por exemplo, depois de X rodadas a sala se enche de veneno ou de água, ou o refém morre, ou o ritual maligno é terminado. O limite não precisa ser final, pode ser só algo que complique a vida do grupo se eles demorarem muito, como uma explosão que acontece a cada três rodadas, ou mais lacaios que saem dos túneis ao redor da luta. Para o encontro final eu não gosto muito de criaturas solo, em geral prefiro um chefão de elite com vários soldados não-lacaios, mais esse fator complicante que descrevi. Você também pode adicionar o efeito limitante somente quando o combate parecer que está meio parado, para manter a adrenalina rolando solta.

Outra coisa bacana que funciona aqui é deixar à vista, desde o começo do encontro, a recompensa dos heróis. De repente eles até usam a espada mágica durante a própria luta! Ou, quem sabe, pegam o ouro e tentam fugir: ótimo, improvise uma fuga no caminho de volta como um desafio de perícia alternado com ataques de combate.

Exemplo: Uma escada suspeita depois da sala do monstro-morcego leva os heróis até o lar do criador do monstro: um mago, enlouquecido pela solidão da caverna. Cercado de outras criaturas bizarras criadas magicamente, ele defende o espelho mágico que vocês estão procurando. No espelho, vocês já conseguem ver parcialmente os exércitos inimigos se aproximando do reino do grupo, e quando o mago percebe isso ordena que um lacaio comece a atingir o espelho. Será que vocês conseguem impedi-lo de destruir o item a tempo? Iniciativa galera!

Encontro de Nível 7 (1.485 XP)

  • 1 Mago Insano – Controlador de Elite de Nível 6 (Líder) – use a ficha do Kruthik Senhor da Colméia [Kruthik Hive Lord], trocando Garra por Bastão (500xp)
  • 4 Kruthik Jovens – Bruto de Nível 2 (125 XP cada)
  • 1 Kruthik Adulto – Brutos de Nível 4 (175 XP cada)
  • 10 Kruthik Filhote – Lacaios de Nível 2 (31 XP cada)

Nesse último encontro uso as estatísticas dos Kruthiks, mas descreva-os como monstros criados pelo mago insano, misturando partes de morcego, com cogumelos e seja mais lá o quê que ele encontrou na caverna.

Outros posts da Iniciativa

É isso aí. Espero que esse guia ajude vocês a prepararem masmorras mortíferas e divertidas para seus jogadores! Agradeço ao CF pela ajuda nos nomes das criaturas em português.

Boa semana e rolem 20!

Por Daniel Anand

Daniel Anand, engenheiro, pai de gêmeas e velho da Internet. Seu primeiro de RPG foi o GURPS Módulo Básico, 3a edição, 1994. De lá para cá, jogou e mestrou um pouco de tudo, incluindo AD&D, Star Wars d6, Call of Chuthulu, Vampire, GURPS, Werewolf, DC Comics (MEGS), D&D 3-4-5e, d20 Modern, Star Wars d20, Marvel Superheroes, Dragonlance SAGA, Startrek, Alternity, Dread, Ars Magica, 13th Age e atualmente mestro Pathfinder 2E. @dsaraujo no twitter

9 respostas em “Iniciativa 4e #23 – A Masmorra Quintessencial”

Belo post!

É sempre bom frizar essa ideia do efeito M.E.V. (Meramente Efeito Visual): Mesmo usando monstros-padrão do Livro dos Monstros, você apresentou criaturas novas e bizarras, o que gera tensão para os jogadores por não terem a menor ideia do que esperar da criatura (mesmo apesar do homem-morcego, por exemplo, ser, na verdade, um dragão verde em termos de ficha). Essa é uma estratégia que eu considero muito importante para o mestre.

Parabéns.

Grandes dicas! Mais um ótimo post da iniciativa 4e! Gostei muito dos exemplos, ajudaram a visualizar as sugestões e deixaram tudo muito claro! Aliás, é praticamente uma dungeon pronta!

Ótimo post! Eu acredito que a 4ª edição pede menos labirintos e mais dungeons como essa, em que os encontros são interessantes e estratégicos. Acho que as dungeons delves exemplificam bem essa nova visão.

E outra coisa que acho bacana e que também utiliza é usar uma criatura já existente, mudando somente a parte visual dela.

Mais uma vez, parabéns pelo post e pelas idéias!
My recent post Reporte de Gravação – Parte Dois

ÓTIMO POST, me ajudou completamente em uma das coisas que eu ando procurando que era justamente como fazer dungeons pequenas mas emocionantes para meus jogadores. GOSTEI MUITO, o melhor da 4e com o melhor do old school.

Parabéns pessoal!!!!

Boa, Anand! Como sempre um post bem criativo e prático! E melhor, quando jogar com você de mestre já sei, mais o menos, o que me espera… rsrsrsrsrs. Excelente trabalho!

Gostei muito da explicação juntamente dos exemplos. Ajuda, e muito, a clarear as idéias de quem não consegue pegar o tom do post, que aliás, está muito bem escrito o/

Esperando por mais! Abraços!

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